Nada pode ser mais sintomático do impasse a que chegou o mercado de trabalho francês do que “Feter le CDI” ou “celebrar o CDI”. O CDI não é uma data específica, como um aniversário, tampouco é uma fruta para ser celebrada por uma cidade na época da colheita, como a Festa da Uva. O CDI é o nome formal para… emprego.
Pois se você tem entre 20 e 30 anos na França, é possível que já tenha sido convidado para “feter un CDI”, o que nada mais é do que reunir amigos em casa para celebrar que você conseguiu um emprego com carteira assinada. A coisa pode soar surreal em um primeiro momento, principalmente à luz da filosofia Seu Madruga que preconiza “não há trabalho ruim, ruim é ter de trabalhar”. Quer dizer, todo mundo, em qualquer lugar do mundo, fica feliz de ter trabalho e pode até mesmo combinar um happy hour para celebrar um novo emprego. Mas enfim, trabalho é trabalho, uma das partes, com frequência chata, da vida. Mas que na França haja uma Festa do CDI, algo cada vez mais comuns entre jovens após a formatura, revela bastante sobre o modelo do mercado de trabalho francês.
O segredinho está, em parte, na sigla CDI. Abrindo: Contrat à Durée Indéterminée, ou Contrato de Duração – a terceira palavra é a chave – Indeterminada. Esta modalidade de trabalho se opõe a outras duas existentes no país: o bom e velho estágio e o CDD, Contrato de Duração Determinada, ou seja, que tem dia para começar e dia para acabar.
Podendo ser renovado ao final. A crise econômica e a consequente enorme taxa de desemprego faz com que jovens recém formados fiquem transitando entre estágios mal remunerados e CDD’s, quer dizer, trabalhos temporários. A escassez de oportunidades de CDI é, em parte, a explicação de por que esta modalidade de trabalho virou o Santo Graal a ser celebrado em festas e fotinhos no instagram. Mas explica apenas em parte.
A verdade é que o CDI — e quando eu falo em CDI tenha sempre em mente que estou falando simplesmente de emprego com carteira assinada — ficou raro não apenas por causa da crise econômica, mas também porque ele estabelece entre empregador e empregado uma relação próxima a de um casamento. O CDI é para a vida, mesmo que partes percam o tesão. O “indeterminado” do título do contrato significa não apenas que essa relação é inabalável independentemente de ser rentável, ele também significa que sairá caro, muito caro, para o empregador, manter aquele emprego. E sairá ainda mais caro demitir. E ele vai precisar de um motivo muito mais importante do que simplesmente “não vale mais a pena” para demitir, sob pena de perder ainda mais dinheiro em um processo trabalhista. O ideal, portanto, é nem começar esse casamento. Na prática, o formato CDI como ele é hoje não ajuda em nada a diminuir o desemprego entre os jovens na França.
A enorme carga de impostos sobre o trabalho é em parte o que ajuda a sustentar a também enorme rede de bem-estar social, mas o país começa finalmente a se perguntar — com um atraso de uns 20 anos em relação à Inglaterra de Thatcher — se esse modelo tem condições de se sustentar.
Até por que há tempos a tão divulgada rede de proteção social já não é o que deveria ser, como exemplifica bem o sistema de saúde: todos os franceses hoje, à exceção dos muito pobres, são obrigados a pagar planos de saúde privados, já que o sistema público de saúde não é mais 100% gratuito — como é na “liberal” Inglaterra.
Alguns congressistas propuseram pagar aos jovens salários menores do que o mínimo (em torno de 1.400 euros) e assim permitir às empresas empregar mais facilmente. A medida foi rechaçada rapidamente. Até porque é inócua. O problema claramente não está no valor do salário mínimo pago ao trabalhador, mas na enorme quantidade de encargos trabalhistas que o acompanham.
Mas tocar nos impostos e no modelo de garantias é um tabu em um país de mentalidade socialista, ainda que este modelo demonstre que já não garante mais nada. O governo Hollande deve morrer abraçado a estes dogmas e a oposição pena em apresentar uma opção. O certo é que há algo de errado num modelo em que garrafas de champagne são abertas para celebrar um emprego das 9h às cinco como se fosse um bilhete de loteria premiado para o resto da vida.